29.1.07

A Discussão errada

Mais uma vez, fomos todos muito rápidos a julgar, mesmo pensando que já sabiamos tudo sobre esta situação. Muito interessante o editorial da Revista SÁBADO que aqui transcrevo integralmente. (Obrigado ao IN VERBIS por me ter poupado a escrita)

O casal que quer adoptar Esmeralda e a tem escondida sabe que o pai biológico a quer de volta desde que ela tem 8 meses - 8 meses e não 5 anos

Não há nada mais reconfortante do que ter certezas morais e participar num movimento de massas de defesa de valores contra uma instituição fria como a Justiça. Por isso, milhares de pessoas indignaram-se esta semana com a sentença do tribunal de Torres Novas que levou à cadeia o sargento Luís Gomes, o homem que queria adoptar a menor Esmeralda e foi condenado por a ter sequestrado.

O problema das certezas morais é que por vezes esbarram de frente com os factos. Por isso, para perceber do que estamos a falar, é bom reler a sentença (está em http://www.verbojuridico.net/jurisp/1instancia/circulotomar_sequestromenor.pdf).

Esmeralda foi entregue ao sargento e à sua mulher a 28 de Maio de 2002., tinha a criança 3 meses. "Entregue" é a expressão certa: não foi iniciado nenhum processo de adopção, eles simplesmente ficaram com a menina. Em Outubro de 2002, quando fez um exame de paternidade, o pai biológico disse imediatamente que queria ficar com a filha, numa altura em que uma mudança não seria traumática - tinha ela apenas 8 meses e estava com o casal só há 5 meses.

Só em Janeiro de 2003, oito meses depois de a terem consigo sem qualquer sustentação jurídica e contra a vontade do pai biológico, e quando perceberam que o resultado do exame estava para breve (conhecer-se-ia em Fevereiro), é que requereram a adopção em tribunal.

Em Fevereiro de 2003, quando se soube o resultado do ADN, o pai biológico voltou a afirmar que queria ficar com a filha - tinha ela apenas 1 ano. Tentou falar com Esmeralda várias vezes mas o sargento e a sua mulher nunca deixaram. Ele sabia que era o pai biológico, percorreu centenas de quilómetros para tentar ver a filha e nunca conseguiu apesar disso, manteve a cabeça fria e esperou pela decisão do tribunal. Passou-se um ano e meio. A atribuição definitiva do poder paternal a Baltazar foi finalmente decidida a 13 de Julho de 2004, tinha Esmeralda 2 anos e 5 meses.

O casal que tinha a criança mudou várias vezes de residência, tornando quase impossível o contacto por parte do Instituto de Reinserção Social e do tribunal, que marcou varias datas para entrega da menor ao pai biológico o que o casal nunca fez.

Vamos resumir. A menor está há quatro anos em fuga, mudando repetidamente de casa para não ser encontrada o que não é, seguramente, a forma mais saudável de educar uma criança. O casal que a quer adoptar sabe que o pai biológico a quer educar desde que ela tem 8 meses atenção, 8 meses e não 5 anos. O pai biológico, que vive há anos com a mesma mulher e o seu filho, esperou todo este tempo por uma decisão legal que não podia ser outra.

Depois de percebermos que não temos um anjo de um lado e um demónio do outro, podemos falar sobre tudo o resto. Primeiro: agora que a criança tem 5 anos, qual a melhor forma de proteger os seus interesses? Depois: a pena de 6 anos por sequestro e subtracção de menor aplicada ao sargento Luís Gomes é excessiva? Mas isso é outra discussão. E deve ser feita sem certezas morais.

Nem confusões. A sentença do tribunal não decidiu quem fica com a criança - isso já foi decidido há dois anos, a favor do pai biológico. A sentença do tribunal também não decidiu como seria feita a mudança - isso também já foi decidido e, aliás, o pai biológico aceitou, sem ser obrigado a isso, que existisse um período de transição. A sentença tem a ver apenas com um facto: há vários anos que uma criança está em fuga e o casal que a tem recusa-se a apresentá-la às autoridades. Pior: não é um facto que já aconteceu, mas um facto que ainda está a acontecer.

Os jornais e as televisões caíram no erro de misturar tudo - a tentação de arranjar uma "causa" popular, emocional e mobilizadora foi demasiado forte. Se os leitores tinham certezas, se até Maria Barroso e Manuela Eanes tinham certezas e, milagre, estavam do mesmo lado, para quê ser desmancha-prazeres? Ler efectivamente a sentença do tribunal era simples para qualquer jornalista. Mas, como se vê, havia coisas mais simples ainda.


In - Revista SÁBADO - Editorial - 25 de Janeiro 2007

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